quarta-feira, 12 de agosto de 2009

A morte da bezerra

-Ei, você aí no fundo... o que houve, está pensando na morte da bezerra?
Seria muito petulante dizer que sim, até porque ninguém sabia o que estava acontecendo.

Levantei a cabeça e dei uma risadinha frouxa para que ele se virasse logo e me deixasse sozinho com meus botões.

Ah, desgraça! Por que é que nada dá certo? Sempre que se coloca todas as esperanças em alguma coisa, é certo que essa coisa vai ter febre aftosa e morrer . É fato, e não há lugar pra otimismo na casa de quem vê as coisas como elas são, e se você tentar acomodar uma visão mais esperançosa da vida, é fato que um dia ,depois de acordar, você vai encontrá-la dura e gelada rodeada por algumas moscas no jardim. Foi assim que eu tinha encontrado a Gerta naquela manhã . Levantei da cama, calçei as pantufas , peguei uma xícara de café ( para ela, ouviram bem ? O médico proibiu a cafeína porque me abala os nervos) e saí correndo relativamente devagar pra não escorregar na grama . Estranhei que ela não estava na frente da casinha como normalmente, mas logo pensei " Ela ainda não tomou seu café, deve estar meio sonolenta". E foi aí que tive a pior visão da minha vida, uma visão que até hoje me assusta só de pensar. Uh, assustei. Assustei outra vez. Uh!

Vocês devem estar se perguntando de onde veio a feliz ideia de criar um bezerro. Bom, pergunte à grama, que resolveu nascer amarela. Não tenho dinheiro para adubo e não gosto de mexer em plantas ou de ver estranhos mexendo nas minhas plantas. Logo, por que não ter um bezerro ?
No dia seguinte à genial revelação, fui a uma feira de agropecuária, e por pouco não comprei um casal de porquinhos da Índia e uma muda de sansão-do-campo. Estava analisando uma galinha japonesa, toda peludinha, branca e fofa quando meu olhar foi subitamente atraído para uma cerca ao lado. Nos olhamos, a princípio, com olhos tímidos. Ela, graciosa, colocava seus lindos olhos cor de alcaparra em mim e , segundos depois, olhava para o chão. Eu logo percebi seu sinal; ela me desejava.
Respirei fundo e fui em sua direção como um leão vai em busca de sua presa. Espera, são as leoas que caçam, não são ? É , acho que sim, apareceu uma vez no Animal Planet que... Ah, esquece.
De qualquer forma, me aproximei dela já sabendo direitinho o que falar. Galanteador e confiante, disse em voz alta :
- Quanto é que custa essa bezerra, moço ?
O capiau disse que era o prêmio de uma rifa, e cada bilhete custava dez reais. Perguntei quantos bilhetes ele já havia vendido e ele disse que eram 2, contando com o que eu planejava comprar. Dez reais por meio projeto de vaca estava ótimo. Desembolsei a quantia e pedi logo sete bilhetes.

Aproveitei o tempo que faltava para o sorteio e fui explorar a feira. Tomei caldo de cana, comi pipoca e pisei em bastante esterco pra parecer que era da terra mesmo e entendia do negócio. Até forcei o sotaque e colocava uma "porrta" no meio da fala sempre que podia.

Chegou a hora do sorteio e eu vibrei. Peguei o bilhetinho na mão, os números eram 2,3,4,5,6,7 , meus novos números da sorte. O homem puxou um papel do saquinho e disse no microfone :
- Número 1 !
Me deu um misto de indignação com raiva... não era possível, eu tinha que ganhar aquilo! Sete rifas e nada de prêmio? Não era possível...
Sou muito grato à minha finada mãezinha, que me colocou no colégio desde cedo e pagou aulinhas de caratê até eu fazer 35 anos. Certamente isso me favoreceu a intuição e o olhar periférico, e me salvei ao olhar para o lado: um capiau sujo e sem dentes olhava seu bilhete, atônito, enquanto balbuciava bem baixo " é é é é é meu.. é meu" . O bom Deus que me perdoe, mas eu tinha que intervir.
-Não, meu camarada, ele disse número 1... isso aqui é um 7, veja - virei o bilhete de cabeça para baixo.
O pobre campesino murchou... " , foi por pouco hein ? Quem sabe da próxima vez...". Eu concordei, e sutilmente peguei o bilhete do pobre iletrado, ou melhor, mal-letrado, e fui recolher minha tão cobiçada prenda.

A viagem para casa foi quieta, mas nossa primeira semana juntos foi algo mágico e ensolarado. Tomamos sorvete, brincamos de pega-pega, rolamos na areia da praia, contamos segredos. Eu e Gerta ( Gertita para os íntimos) éramos feitos um para o outro.

Me abala muito lembrar de tudo isso... são tantas emoções, como já diria o Rei ( aliás, Gerta mugia sempre que ouvia a voz de Roberto Carlos... acho que o tom fanho lembrava sua mãe).
E assim, numa tarde de primavera, Gertita se foi. Uma bezerra que amava igualmente os homens e os bichos, usava Ray-bans vermelhos e gostava de mingau. Minha grama nunca mais será tão verde e meu coração nunca mais baterá tão forte quanto batia quando ela estava comigo.
Quando penso que ela está me vendo lá de cima, lá dos grandes campos verdes do Paraíso, me dá uma raiva imensa . Por que é que ela teve que partir? E por que raios o Ministério da Saúde proíbe a venda de carne de animais com febre aftosa ? Oras, o que eu deveria fazer com 100 kg de carne de vaca que não pode ser comida? Congelar? Só podem estar brincando.

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